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Bruno Wendel
Publicado em 9 de junho de 2025 às 05:00
Não à toa, o Comando Vermelho é a segunda maior organização criminosa do Brasil - está nos 23 dos 26 estados. Desta forma, além do tráfico de drogas, seus tentáculos exploram outras atividades econômicas na Bahia desde 2020, quando se estabeleceu no território. Em algumas comunidades de Salvador, por exemplo, os provedores de internet são obrigados a pagar uma taxa para operar em áreas do CV, como Cosme de Farias, Complexo do Nordeste de Amaralina e Engenho Velho da Federação. Uma prática semelhante ao que já ocorre em outras comunidades do país, como no Rio de Janeiro. Quem não adere à extorsão pode pagar com a vida. >
“Invadiram a sede do rapaz e deram um tiro no pé dele. Ele não quis pagar. Foi avisado de que não poderia continuar atuando no bairro, mas ele insistiu. Não o mataram, não sei o porquê. Ele saiu de lá no outro dia”, conta um comerciante do Engenho Velho da Federação. O episódio relatado aconteceu no segundo semestre do ano ado.>
No Rio de Janeiro, onde este fenômeno surgiu, a Secretaria de Segurança Pública mapeou, em janeiro deste ano, empresas que fornecem internet a comunidades dominadas pelo tráfico de drogas e pela milícia. O documento elaborado pela subsecretaria de inteligência da pasta evidenciou a movimentação milionária de empresas que não têm capital social suficiente para operar, apontando indícios de que só atuam em locais comandados por determinadas facções. Os estudos foram apresentados à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para cobrar da agência reguladora ações para, por exemplo, proibir a operação de empresas criadas por criminosos ou que foram cooptadas por facções.>
Na Bahia, a Anatel recebeu, desde 2020, 220 denúncias de prestação clandestina de internet no estado da Bahia, sendo 30 em Salvador. O "CV net", como está sendo chamada a internet explorada pelo tráfico, já chegou ao Ministério Público da Bahia (MPBA). Em nota, o MPBA disse que "tem conhecimento da situação narrada, mas não comenta sobre o trabalho de investigações envolvendo organizações criminosas, que correm sob sigilo”.>
Engenho Velho da Federação>
O modo de atuação começa por mensagens. “Enviam áudio de escuta única no WhatsApp, sempre de perfis com mensagens ou fotos religiosos para ninguém desconfiar. Quando abre, a pessoa se depara com a intimidação, dizendo que a partir daquele momento terá que pagar o pedágio”, conta o comerciante. Segundo ele, quem nega sofre retaliações. “Primeiro, cortam a viação. Se insistir, eles vão atrás resolver de uma vez por toda”, conta. >
A extorsão acontece principalmente em duas localidades do bairro: Baixa da Égua e Forno. Pelo menos duas empresas pagam o que o CV chama de “pedágio”. “Eles estabelecem o valor pela quantidade de clientes, de 20% a 30% do valor da mensalidade cobrada ao morador. Quem não conseguiu pagar, ou seus clientes para outro provedor. Foi o meu caso”, diz um ex-dono de uma empresa. Ele acabou falindo e hoje trabalha em outro ramo no interior do estado. >
Procurado, uma moradora disse que paga R$ 60 pelo serviço de internet na Baixa da Égua. “Sabemos disso, que parte do dinheiro vai para eles (traficantes). É errado, mas fazer o quê? As empresas maiores não funcionam aqui”, conta uma dona de casa. >
Tancredo Neves >
Em março deste ano, moradores do bairro de Tancredo Neves denunciaram que integrantes do Comando Vermelho controlavam o o à internet na região. Segundo relatos, apenas um provedor autorizado pela facção pode operar no local. A situação foi evidenciada após atos de vandalismo ocorridos no dia 19 quando criminosos incendiaram equipamentos de outros provedores, impedindo o funcionamento de redes independentes.>
Essa não a primeira vez. Nos primeiros dias de agosto de 2023, moradores e comerciantes denunciaram que estavam sem internet porque parte de uma viação foi arrancada por integrantes do CV. Isso porque os provedores locais não quiseram pagar uma taxa mensal ao então líder do CV na região, conhecido como "Galo". >
No Cabula a situação não foi diferente. “Em 2024, a 23ª CIPM conseguiu debelar na Estrada das Barreiras a atuação de traficantes do Comando Vermelho que cobraram o ‘pedágio’ a provedores e de outros comerciantes do local”, declara o ex-comandante da unidade, o tenente-coronel Luciano Jorge, que atualmente é coordenador do Comando de Policiamento Regional da Capital /Atlântico. >
A reportagem conversou com o dono de um provedor que atua numa região do Cabula onde o tráfico é controlado por outra facção, que ainda não aderiu à moda da rival, CV. Na visão dele, este fenômeno foi impulsionado após uma resolução da Anatel. "Ela deixou de exigir autorização dos provedores menores, como forma de democratizar o serviço de internet nas comunidades, onde as empresas maiores não chegam. Isso foi bom pra nós, mas também facilitou a entrada das facções", declara. >
Questionada, a Anatel informou que "é dispensada a autorização para a exploração de serviços de telecomunicações nos casos nos quais as redes de telecomunicações de e utilizem exclusivamente meios confinados e/ou equipamentos de radiocomunicação de radiação restrita, desde que não sejam empregados recursos de numeração em sua prestação". "No caso dos serviços de telecomunicações de interesse coletivo, a dispensa aplica-se somente àquelas prestadoras com até 5.000 (cinco mil) os em serviço", diz a nota enviada à reportagem. >
Insegurança >
Em maio deste ano, o influenciador baiano Pedro Valente, que possui mais de 300 mil seguidores no Instagram, fez um desabafo. O produtor de conteúdo relatou que estava sem internet há cinco dias e que a Tim, operadora responsável, alegava que não conseguia enviar técnicos até a residência dele devido à "insegurança". >
“Eu estou me sentindo na Caverna do Dragão. Eu estou preso em uma nova dimensão. A Tim Ultra Fibra parou de funcionar no dia 1º de maio e disseram que o técnico não pode vir porque aqui (a casa dele) é uma área de insegurança permanente”, disse o influenciador. >
Por uma questão de segurança, a reportagem não vai informar o bairro. A Bahia não é o único estado do Nordeste que sofre com a expansão dos negócios da facção carioca. O provedor de internet GPX Telecom, que funcionou por nove anos, em Caucaia, cidade do Ceará, anunciou que decidiu encerrar as atividades em março deste ano após ter tido os equipamentos destruídos pelos traficantes do CV. >
Comércio>
O CV impõe regras não somente sobre serviços de telecomunicações. “Na Vasco da Gama (avenida), o dono de uma loja de bombas hidráulicas teve a casa invadida e a família sequestrada. Os traficantes liberaram todos depois do pagamento do resgate. Isso foi há dois anos e até hoje a loja está fechada”, conta o vigilante de um edifício empresarial da região. >
Em Cosme de Farias, a organização cobra o ‘pedágio’ de vários seguimentos, como padarias, bares, salões, barbearias, lojas, nada escapa deles. "Todo mundo paga entre R$ 100 a R$ 300, que pode ser por semana ou mensal. Não tem uma regra. Vai depender do tipo do comércio e se eles forem com a sua cara”, denuncia o proprietário de uma lanchonete, que pega semanalmente R$ 100. “E quem é que vai negar? Ninguém quer ter o mesmo fim do dono do gás”, diz ele, fazendo referência ao revendedor de gás Gerson Leopoldino Andrade, 69 anos, executado na Baixa do Tubo, em setembro de 2023. Na ocasião, ele não pagou a taxa de R$ 7 mil ao CV. >
O que dizem as grandes empresas ?>
A reportagem procurou a Conexis Brasil Digital, entidade que representa as maiores operadoras do país, entre elas, Oi, Tim, Claro e Vivo, que operam na Bahia. Segundo a empresa, o “bloqueio de o das equipes das prestadoras em algumas regiões pode afetar a capacidade das empresas em realizar a manutenção e instalação de seus equipamentos”. “Essas restrições vêm ganhando espaço e ocorrendo em diferentes localidades, impactando no fornecimento e na qualidade do serviço prestado, além de colocar sob ameaça a integridade das equipes das operadoras”. >
Ainda segundo a Conexis, o “tema requer medidas efetivas e o setor defende uma ação coordenada de segurança pública envolvendo o Judiciário, o Legislativo e o Executivo, nos níveis federal, estadual e municipal, para garantir que as empresas, de forma livre e segura, possam continuar a oferecer suas soluções, e que a população tenha livre o aos serviços essenciais de telecomunicações”. >
A reportagem pediu um posicionamento também à Secretaria de Segurança Pública (SSPBA), à Polícia Civil (PCBA) e à Polícia Militar (PMBA), mas até o momento não há resposta. >