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Roberto Midlej
Publicado em 14 de junho de 2025 às 06:00
Se você pensa em São João, pensa logo em duas coisas: comida típica e forró. E, se pensa em forró, não tem como não imaginar o som de uma sanfona, né? O instrumento, imortalizado no Brasil por mestres como Luiz Gonzaga (1912-1989) e Dominguinhos (1941-2013), tem suas origens na China, mas, para os brasileiros, não há como dissociá-lo do forró. Na Europa, o sheng, criado na China, acabou se transformando no acordeon - ou sanfona, como chamamos. No Brasil, o instrumento foi introduzido pelos imigrantes alemães e italianos, mas se tornou popular por causa de Luiz Gonzaga. >
E foi o Mestre Lua o responsável por disseminar o uso da sanfona, especialmente no Nordeste, onde ela tem seus devotos, graças, também, a uma relação familiar e afetiva. Um deles é Marquinhos Café, 44 anos, natural de Caruaru, Pernambuco, cujo pai tinha uma oficina para manutenção do instrumento. “Meu pai comemorou meu nascimento ao som de Forró no Escuro, de Luiz Gonzaga”, lembra o músico em referência à canção que começa assim: O candeeiro se apagou/ O sanfoneiro cochilou/ A sanfona não parou.>
Começo>
Marquinhos observava o movimento na oficina do pai, mas nunca havia se encantado com a sanfona a ponto de querer tocar. Aos 14 anos, foi a uma festa de São João em Caruaru, onde viu amigos do pai tocando. Foi o bastante para tomar a decisão de aprender: “Esse dia foi uma virada em minha vida. Era uma festa e amos caminhando por uns oito forrós pequenos até chegar ao principal. Quando vi o show de Assisão [forrozeiro pernambucano], voltei pra casa com aquilo na cabeça e disse a meu pai que queria ser sanfoneiro”, lembra Marquinhos.>
O músico, que segue em carreira solo depois de tocar por 13 anos com Adelmário Coelho, é também professor de sanfona, em Salvador. E garante que há grande demanda por parte de pessoas das mais variadas faixas etárias. Ele reconhece que não é fácil aprender a tocar, especialmente por se tratar de um instrumento pesado, que pode chegar a 13 ou 14 quilos. “Ficar com duas horas pendurado com isso não é fácil!”, diz Marquinhos. >
O próprio músico sempre foi um aluno dedicado: “Quando comecei a aprender, tocava de oito da manhã ao meio-dia. Voltava do colégio às cinco da tarde, brincava um pouco, jantava e depois voltava a tocar, de umas sete horas, até meia-noite”, lembra-se. >
Marquinhos concilia a vida de artista com a de professor e dá aulas em sua própria casa, por um valor médio de cem reais. “Hoje, tenho 16 alunos que fazem em média duas aulas por semana. Tenho aluno de diversas idades: nove anos, 12, 16, 60… até de 72”. >
Mas Marquinhos diz que quando começou a tocar, poucos jovens se interessavam por sanfona. >
Maquinhos Café
sanfoneiro profissional e professorUm alerta: se quer aprender a tocar, prepare o bolso, porque uma sanfona boa, mesmo usada, dificilmente sairá por menos de quatro mil reais, segundo Marquinhos.>
Mulheres>
E, se você está com o pensamento no século ado, achando que sanfona é exclusividade masculina, esqueça isso. Tati Sales, 47, feminista convicta, é sanfoneira das boas, dá aulas e anima muito forró com as colegas do Trio Fuxiqueiras. O interesse pela sanfona nasceu graças à avó: “Eu estudava música ainda criança, mas não tinha sanfona na escola. Mas minha vó, que era pianista, tinha uma, que usava pra tocar valsa. Só que ela não me deixava usar. Ela escondia, então nunca toquei”, lembra.>
O desejo só foi realizado mais de 20 anos depois, quando Tati foi ar um Réveillon no Capão. “Ali, eu ouvi o ‘chamado’ da sanfona. Um ano depois, eu já estava tocando”. Tati chama a atenção para o simbolismo que a sanfona carrega: “É um instrumento que permite você olhar pras pessoas, enquanto toca, ao contrário do piano. Naquele momento, pude olhar pras pessoas e entendi o que era a sanfona, que tem uma peculiaridade: você carrega no peito, no coração. E abre seu coração”, revela Tati.>
E engana-se quem pensa que sanfona é só pra forró: “Uso pra chorinho, valsa e toco até Chopin. Mas a música nordestina é a que mais me emociona”, ite Tati. O modelo que ela usa pra tocar na rua tem cerca de dez quilos, mas em casa usa outro, de 13 quilos. >
Tati reconhece que é necessário um esforço para manter a forma e, por isso, pratica exercício físico também para aguentar a sanfona. Além disso, já ite tocar sentada, num banco mais alto, para ficar na altura do cantor. Há tempos, cansou de ouvir a clássica pergunta: “E mulher aguenta uma sanfona?”. Sim, aguenta e ela está aí para provar.>
Para enfrentar o machismo, Tati gosta especialmente de tocar com mulheres e tem o seu trio, chamado Fuxiqueiras. >
Tati Sales
Sanfoneira e musicoterapeutaArquiteto Sanfoneiro>
E também tem sanfoneiro amador por aí, que toca por hobby, como o arquiteto Danilo Silva Farias, de 41 anos. Nascido e criado em Salvador, ele sempre frequentou a roça, onde se interessou pelo universo interiorano. “Nas férias, ia para o São João e via os sanfoneiros ando pelas casas das pessoas para tocar”, lembra-se. >
Começou tocando teclado, foi para a percussão e para a gaita. Só foi comprar a primeira sanfona, de oito baixos, pequenininha, aos 22 ou 23 anos, quando era universitário. Começou a aprender, mas, diante das atribuições da profissão, largou a música. ou uns 12 ou 13 anos sem tocar, mas retomou as aulas há uns sete anos. Hoje, pratica sozinho, em casa. Se a primeira sanfona, de oito baixos, foi comprada por uns 250 reais, a atual demandou um esforço maior: investiu sete mil reais num modelo de 120 baixos. >
Danilo Farias
sanfoneiro amadorOnde aprender sanfona>
Tati Sales >
(71) 9 8834-0939>
Marquinhos Café >
(71) 9 9198-8075>
Pedro Paes >
(71) 9 9391-2744>